RIO - Tarso é perseguido por uma voz sinistra, vive repetindo frases, cismou que tem um chip implantado em sua nuca e, num surto, atirou no irmão da sua namorada. O personagem interpretado por Bruno Gagliasso em "Caminho das Índias" é difícil e poderia facilmente ter caído numa caricatura. Mas não só convence como comove o público com o drama do jovem aparentemente perfeito que sofre de esquizofrenia. E ainda botou na ordem do dia a discussão sobre doenças mentais, merchandising social da vez da autora Glória Perez.

- O importante é levantar discussão. Todo ator sonha com papéis assim. Com o Junior de "América" eu também consegui isso. Foi a primeira vez que falaram sobre um homossexual de forma real numa novela. No fim, até a história de o beijo gay não ter ido ao ar foi boa por ter gerado mais discussão - acredita Bruno, entre um gole e outro de café numa livraria da Barra da Tijuca que ele considera o "quintal" da sua casa.

- Quando a Glória me ligou para falar do Tarso disse que me daria o personagem da minha vida. Respondi: "Poxa, mas você já me deu o personagem da minha vida! Ganharei outro?" - ri o ator, durante a entrevista, num intervalo entre as gravações da novela.

Muito citados por Bruno, Tarso e Junior saíram da cabeça da autora de "Caminho das Índias", que diz não ter pensado em outro ator para viver o conturbado personagem da trama das 21h.

- A gente sabe qual ator irá traduzir bem determinado personagem. De cara eu senti que o Bruno faria o papel. Tarso é um personagem difícil, onde é preciso ter equilíbrio e uma exatidão grande para não desafinar - destaca Glória Perez.

E foi uma aposta certeira, que agradou até quem conhece a doença de perto.

- Bruno transmite muita coisa através do olhar, que passa todo o medo e o pavor do Tarso - elogia a psiquiatra Patrícia Schmid, diretora do Instituto Municipal Nise da Silveira, que orienta o ator durante algumas cenas da novela. - Trabalhamos muito o olhar e a parte corporal. A ideia é mostrar os sintomas do Tarso através do corpo - explica.

Estudioso, Bruno já estava pesquisando sobre loucura para a peça "Um certo Van Gogh" quando foi convidado para a novela e mergulhou no assunto. O ator visitou instituições psiquiátricas, conheceu pessoas que sofrem de esquizofrenia e começou a dividir com o público os seus estudos para o personagem através de um blog.

- Artista é sensível. É impressionante a maneira como esse trabalho toca os colegas de cena e como eu mesmo fico tocado. Por isso eu me senti na obrigação de fazer o blog - explica. - Eu não poderia construir o Tarso se não soubesse como outras pessoas que sofrem da doença se comportam.

A novela faz Bruno encarar cenas com altas voltagens dramáticas. O ator também emagreceu dois quilos para retratar a doença do personagem e ainda quer perder mais peso até o fim da trama.

- Ninguém me pediu, mas achei bom emagrecer nesse momento em que o Tarso passará por vários tratamentos. Ele enfrentará muita coisa. Você não está en-ten-den-do - exclama o ator, que pronuncia com ênfase cada sílaba desta última palavra.

Quem conversa com Bruno nota que ele fala com entusiasmo sobre quase todo tipo de assunto. Seja das pesquisas que fez para Tarso, das férias que irá tirar depois da novela ou de suas manias. O ator, que vive perdendo os óculos que usa para miopia e astigmatismo (ele tem três: um na mochila, um no carro e outro em casa), só dorme com o ar condicionado ligado e rabisca livros e os textos da novela ("marco tudo e faço setinhas e anotações"). Fã de Johnny Deep, também adora tatuagens. Tem cinco. Como uma frase tirada de "O poderoso chefão", que fez com outros cinco amigos.

- Também escrevi "prema arte" (amor à arte) na panturrilha. No braço, tenho a palavra sincronicidade e o número 13, que me dá sorte. E fiz um Charlie Chaplin - lista o ator, que abaixa um pouco a calça para mostrar parte deste último desenho, feito no lado esquerdo do quadril, bem na altura da marca da sunga.

Aos 27 anos, Bruno parece ter encontrado o seu lugar na TV ao viver diferentes tipos que não se destacaram somente por sua estampa da galã. O ator de apenas 1,70m, dono de celebrados olhos azuis, já "secou" e puxou ferro para viver o bad bod Ivan ("Paraíso tropical"), engordou e deixou a barba crescer para fazer o caipira Ricardo ("Sinhá Moça"), e cuidou da pele e passou a usar "xampu e creme bons" quando fez o homossexual Junior.

- Seria hipocrisia falar que nunca sofri preconceito, mesmo que velado. Mas já senti mais isso quando comecei na TV, algo como "será que ele vai dar conta?" Acontece com qualquer pessoa nova em qualquer profissão - minimiza o ator, que diz ter começado a mostrar trabalho com o rejeitado Inácio de "Celebridade".

Hoje, depois de oito novelas e uma minissérie, Bruno acredita ser visto de outra forma. Mas jura não pautar suas escolhas profissionais pensando em provar nada para ninguém.

- Nem gosto de dizer que prefiro personagens polêmicos. Não quero polemizar. Mais importante que polemizar é politizar. Quero transformar papéis polêmicos em politizados - avisa.

Fonte: Globo.com

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